Já faz alguns anos que a proposta de uma jornada de 4 dias de trabalho e 3 dias de descanso surgiu no mercado. No entanto, com a pandemia, essa proposta ganhou mais visibilidade e mais adeptos ao longo do mundo todo, principalmente na Europa, e inclusive chegou ao Brasil.  

Com benefícios que vão desde o aumento da produtividade até a redução das emissões de carbono, nesse artigo vamos conhecer os prós, contras e as empresas que já aderirem à semana de 4 dias de trabalho.

Como funciona essa tal semana de 4 dias? 

Vamos primeiro entender de onde vem a jornada de trabalho de 5 dias e 40 horas por semana. Em 1926, o pioneiro da indústria de automóveis, Henry Ford, instituiu em suas fábricas um modelo de trabalho em que os operários tinham dois dias de descanso e um limite de 40 horas semanais. Antes disso, o normal eram 6 dias de trabalho por semana e sem limite de carga horária. 

Na época, o próprio Ford explicou que o objetivo dessa mudança era melhorar a produtividade dos funcionários. Ele afirmou que “Embora o tempo de permanência dos operários tenha decrescido, espera-se deles que façam mais esforços enquanto lá permanecerem.”  

Além disso, o fato de a empresa ter sido pioneira nessa mudança e também pagar mais que o dobro do que o normal da indústria por hora, fez com que seus funcionários desenvolvessem um sentimento de lealdade e orgulho 

Quase 100 anos depois, a discussão em pauta é reduzir mais um dia da semana de trabalho e aumentar os dias de descanso para 3 com um objetivo bem semelhante. Desde 2015, na verdade, alguns países e instituições já vêm testando a viabilidade desse modelo. 

Quem já está considerando ou utilizando? 

A Islândia, por exemplo, realizou um estudo entre 2015 e 2019 com cerca de 1% da força de trabalho ativa do país. O resultado concluiu que a semana de 4 dias melhorou ou não alterou a produtividade dos colaboradores (“Going Public: Iceland’s journey to a shorter working week”, Autonomy, junho de 2021). 

A pesquisa apontou também outros benefícios desse modelo para a vida pessoal dos funcionários, tais como: 

  • Menos estresse quando estão em casa; 
  • Passar mais tempo com a família e amigos; 
  • Melhor divisão das tarefas domésticas; e 
  • Mais tempo para estudar, praticar hobbies ou simplesmente descansar. 

Tudo isso contribui para o bem-estar desses indivíduos, o que consequentemente é refletido no seu desempenho dentro do ambiente corporativo. 

Aqui no Brasil, temos como exemplo a Zee Dog, uma marca de acessórios para cachorros, que adotou a semana de 4 dias de trabalho em março de 2020. Inicialmente, a empresa fez um teste para analisar a viabilidade desse modelo. O resultado foi 100% de satisfação entre os funcionários e todas as tarefas e atividades entregues dentro do prazo. 

Além disso, por termos uma grande quantidade de feriados, a Zee Dog determinou que as semanas que tiverem feriado serão consideradas como se fossem de 5 dias – dessa forma, a empresa não fica prejudicada com uma semana de apenas 3 dias, por exemplo. 

Já na Nova Zelândia, a gigante Unilever vem testando os 4 dias de trabalho desde dezembro do ano passado – o estudo irá durar 1 ano, conta com 81 funcionários e envolve a redução da jornada em 20% sem alterações de salário. Segundo o diretor-gerente da instituição, ele se inspirou na Perpetual Guardian, da Nova Zelândia, e na Microsoft do Japão. 

Os benefícios 

#1 Bem-estar 

De acordo com um estudo da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), cerca de 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros já foram atingidos pelo burnout, ou síndrome do esgotamento profissional. 

A OMS (Organização Mundial da Saúde) define essa síndrome como “um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”. Com sintomas de inseguranças, alterações de humor, desânimo, negatividade constante, cansaço físico e mental e outros, o burnout é uma preocupação para qualquer líder que se importe com o bem-estar da equipe. 

Com a semana de 4 dias, os colaboradores têm a oportunidade de passar mais tempo com a família, de praticar exercícios físicos e ir a médicos, ter momentos de lazer e de descanso. Tudo isso é essencial para uma boa saúde mental, ajudando a controlar e aliviar alguns sintomas de ansiedade, estresse e depressão. 

#2 Produtividade 

Consequentemente, quando se tem um time saudável e descansado, os níveis de produtividade tendem a aumentar. A Pursuit Marketing, da Escócia, relata que seus níveis de produtividade aumentaram em 22% após terem adotado esse modelo.  

Segundo a neurocientista Thais Gamero, a produtividade “envolve diversos fatores como motivação, instinto de sobrevivência, engajamento, hidratação, boa alimentação e descanso. Nosso cérebro cansa e a sobrecarga de trabalho, ao invés de aumentar nossa capacidade produtiva, nos esgota.”

#3 Ganhos para a Economia 

Sabemos que em vésperas de feriado e nos feriados em si, existe um grande movimento econômico: bares, restaurantes, hotéis, praias e pontos turísticos em geral são destinos muito desejados. No Brasil, vemos um exemplo claro nas famosas “emendas” de feriado, que são aproveitadas por muitos para viagens ou eventos mais longos.  

Com mais tempo livre possivelmente teríamos uma diluição desta demanda de lazer e turismo, além de pessoas mais dispostas a sair e consumir serviços e produtos. Um dos maiores problemas da síndrome do esgotamento profissional é justamente a falta de energia para desfrutar o tempo livre. Grande parte das pessoas descrevem o burnout como uma sensação de ausência de energia e, portanto, que mesmo nos dias livres não sentem sequer o desejo de sair do sofá ou da cama. Isso sem dúvidas além de um risco para a saúde, causa um impacto na economia. 

#4 Meio ambiente 

Um estudo da organização 4 Day Week, promovido pela Platform London, analisou os impactos ambientais que uma semana de 4 dias poderia ter no Reino Unido. A conclusão foi de que, com a redução da jornada de trabalho, a pegada de carbono do país poderia diminuir em 127 milhões de toneladas por ano até 2025, o que representa 21,3% a menos do que o nível atual (“Stop the clock – The environmental benefits of a shorter working week”, 4 Day Week Campaign, May 2021). 

Gráfico - Emissões de carbono na semana de 4 dias
Fonte: Stop the clock – The environmental benefits of a shorter working week, 2021.

Os riscos 

#1 Demanda de trabalho 

Apesar de todos os benefícios, nem tudo são flores e nem todos os segmentos do mercado de trabalho conseguiriam se adaptar a esse modelo. Se pensarmos na área da saúde, construção civil entretenimento e gastronomia, por exemplo, reduzir a semana não é muito viável. 

Isso porque a redução da jornada dos colaboradores nem sempre significa que a demanda de trabalho também irá diminuir. Se pensarmos em um restaurante, por exemplo, a produtividade dos funcionários não muda o fato de que todos os dias centenas de clientes precisarão ser servidos. 

Ou seja, a redução da semana de trabalho faria com que o proprietário precisasse contratar mais pessoas para dar conta de tudo, o que aumentaria os gastos e poderia prejudicar o funcionamento do negócio. 

#2 Trabalhadores sobrecarregados 

Reduzir um dia útil da semana para aumentar o bem-estar dos colaboradores é uma ideia ótima, mas pode acabar se tornando em um tiro no pé. Infelizmente, hoje muitas empresas atuam em seu limite ou além dele, com funcionários sobrecarregados. 

Nesses casos, distribuir, organizar e otimizar as demandas se torna praticamente impossível, o que pode fazer com que essas pessoas acabem tendo que se esforçar ainda mais, fazendo mais horas extras e levando trabalho para casa. Consequentemente, temos mais estresse, mais ansiedade e mais chances de desenvolver burnout. 

#3 Feriados 

O Brasil é o sétimo país do mundo com mais feriados nacionais – ao todo, são 12. Isso sem contar os feriados estaduais e municipais, que também acrescentam mais alguns dias à lista. O que fariam os gestores quando o feriado caísse em um dia útil? Teria apenas 3 dias de trabalho? 

No caso daquela empresa que mencionamos anteriormente que considera uma semana normal de trabalho nessas situações, é como se voltássemos ao modelo tradicional, então qual é o sentido? Além disso, os funcionários poderiam ficar descontentes por perder esse dia extra de descanso que é seu por direito. 

#4 Redução de salário 

É claro que, na maioria das sugestões que vimos, a redução da semana não implica na redução do salário, muito pelo contrário. No entanto, existem alguns países, como é o caso dos Estados Unidos, em que os funcionários são pagos por horas trabalhadas.  

Nessas situações, é bem difícil que a mudança não cause nenhum impacto na renda dessas pessoas, a não ser que todo o sistema corporativo seja transformado – o que é bem mais complicado e traz uma discussão ainda maior para o jogo. 

Conclusão 

A verdade é que, na teoria, a semana de 4 dias é ótima, principalmente no caso de escritórios, empresas de comunicação, tecnologia, por exemplo. No entanto, quando tentamos aplicá-la na prática, podemos encontrar alguns problemas e limitações, especialmente com determinados setores. 

O mais importante por enquanto, independentemente da quantidade de dias da semana, é se certificar que os colaboradores sejam valorizados, cumprindo uma demanda de trabalho justa e garantindo seu direito constitucional ao descanso e bem-estar. 

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