Melhorando a pergunta do título: os hábitos de consumo estão mudando e consolidando a economia de recorrência, ou é o contrário, a consolidação da economia de recorrência está mudando os hábitos de consumo? 

Respondendo: não sei! E talvez a resposta para essa pergunta esteja em outros setores da economia que não na compra de produtos ou serviços.  

Mas, fato é que vender não é mais como era antigamente. Comprar, também não. As pessoas não querem mais possuir produtos, hoje elas preferem pagar por experiências e resultados.  

É fácil falar que o ovo veio antes da galinha. Dinossauros já botavam ovos. Mas onde – e como – começou essa transformação da economia? Podemos sim, rastrear a consolidação dos streamings de entretenimento como propulsores dessa mudança de hábitos de consumo, que hoje se espalha por praticamente todos os setores de consumo. Mas e antes? 

A referência mais antiga que encontrei sobre a economia de recorrência é do ano 2000 – 22 anos atrás – e vem do livro “A Era do Acesso: a Nova Cultura do Hipercapitalismo”, do economista norte-americano Jeremy Rifkin. O autor, no entanto, fala de outra coisa totalmente diferente.  

Ele aborda o processo de terceirização de atividades intermediárias dentro das grandes corporações que, assim, puderam focar inteligência e desenvolvimento de tecnologia, em suas atividades-fim. Essa tendência ganhou corpo na segunda metade da década de 1990 e foi importante para a diversificação da economia – em maior ou menor escala – em diversos cantos do mundo.  

Como exemplo, eu afirmo que não há motivos para uma gigante do agronegócio manter em seus quadros, um departamento de Comunicação, com publicitários, jornalistas, designers e web-designers. Também não faz sentido uma indústria de transformação de matéria prima gerenciar um departamento de limpeza.  

Terceirizando essas funções, eles conseguem – além de melhores resultados a custos menores – manter seus esforços em fazer de sua atividade-fim algo cada vez mais moderno e lucrativo. E se esse prestador de serviço não entregar resultados (experiências) no mínimo, satisfatórios, o assinante busca por outro fornecedor.   

Concordam comigo que é uma modalidade de contratação por assinatura? Em vez de comprar um produto e arcar com o seu custo (contratar profissionais, mantê-los em seus quadros, gerenciá-los, treiná-los, mantê-los sempre atualizados) as empresas assinam um serviço e investem nos resultados, deixando a manutenção desse serviço para os especialistas da área. 

Vamos trocar esse raciocínio por carros?  

Em vez de comprar um carro, arcar com sua manutenção e ter que trocá-lo de tempos em tempos porque ele desvalorizou enquanto patrimônio e/ou está obsoleto enquanto tecnologia, hoje podemos assinar um carro, utilizá-lo e, ao final do período, renovar a assinatura e ter acesso a outro modelo. E se essa marca não nos proporcionar uma experiência satisfatória, assinamos outra marca.

Os softwares tiveram adesão mais-que-perfeita a esse conceito. E vem desse setor o exemplo mais famoso que eu cito quando falo de trocar a compra de um produto pela assinatura de um serviços. Até 2011, o usuário precisava comprar – por um preço inacessível para a grande maioria – uma mídia para instalar o Pacote Office no seu computador.  

A principal consequência disso era a pirataria em larga escala. Que atire a primeira pedra quem nunca usou Word e Excell piratas. 

Agora você usa o Office pagando uma assinatura anual que muitas vezes vem inclusa no preço do seu PC ou laptop. Resultado? Em 2020 a Microsoft anunciou estar se aproximando da marca de 30 milhões de assinantes. A notificação de pirataria em seus softwares está bem próxima de zero. 

Virando a chave para a recorrência, Bill Gates resolveu um problema congênito de suas operações e, de quebra, aumentou absurdamente sua base de clientes/assinantes.  

E já que falamos em pirataria e já citamos os streamings de entretenimento, entre 1999 e 2014, a pirataria provocou um encolhimento de 40% na indústria fonográfica. De 2015 em diante, com a ascensão de Spotify e congêneres, esse mercado vem registrando consecutivos crescimentos, sempre acima de 5% ao ano. 

E assim surgiram novas profissões 

Pegando o gancho nesse papo de pirataria, aqui vai uma pergunta crucial para toda a ideia de economia de recorrência: o que Bill Gates e seus congêneres e a galera da indústria fonográfica e audiovisual fizeram de diferente para aumentar seu faturamento e inviabilizar a pirataria?  

Essa resposta eu tenho: eles observaram o comportamento do cliente. E fizeram isso movidos pela inquietação de que, talvez, a pirataria não fosse uma questão financeira, mas sim, de experiência.  

E acertaram na mosca! 

Está todo mundo baixando MP3 e acessando plataformas piratas para ver ouvir músicas quando, onde e como quiser, e ver filmes ou séries quando, onde e como quiser? Vamos lançar plataformas oficiais para que as pessoas ouçam músicas e vejam filmes quando, onde e como quiserem. E elas farão isso pagando mensalmente um valor mais baixo do que a compra de um CD ou locação de um filme na videolocadora.  

O usuário prefere fazer um download do software em vez de comprar uma mídia? Vamos disponibilizar nosso software para download e liberar o uso com o pagamento de uma anuidade. E, renovando essa anuidade, ele terá o software sempre atualizado.  

Assim nasceu a necessidade de observar, registrar e analisar o comportamento do cliente. E, feito isso, veio a necessidade de transformar toda a cultura empresarial para que ela emanasse do seu cliente. Nascia o conceito de Customer Centric, já clamando por pessoas capazes de registrar, tabular e analisar as experiências do assinante (Customer Experience) e de pessoas capazes de interagir com esse assinante para garantir que ele tivesse resultados em seu investimento (Customer Success).  

O planeta e o futuro agradecem! 

Já vemos a economia de assinatura operando em muitos produtos, até então, de venda única, como carros, celulares, móveis e – até – moradia. O que me deixa, particularmente, muito satisfeito. As únicas críticas pertinentes que vejo ao capitalismo como sistema de gestão econômico-comercial do planeta são aquelas fundamentadas na obsolescência e exploração desenfreada de recursos naturais.  

Com a assinatura por acesso substituindo a compra única, a engrenagem produtiva vai – finalmente – assumir o controle da logística reversa e receber de volta os produtos usados ao final do período de contratação. Vale ressaltar que hoje, essa logística reversa depende do bom senso da população. Ou seja…  

A consolidação da “vida as a service” nos deixa muito próximos do funcionamento perfeito da economia circular, com reciclagem e reaproveitamento feitos pelos mesmos especialistas que construíram o bem original. Isso se traduz em menos (ou nenhum) descarte, menos (ou nenhum) resíduo e menos (ou nenhum) desperdício.  

Estamos a caminho!

 

Sobre o Autor:

 

”Cristiano Cristiano Guirado é jornalista raíz – com quase 20 anos de vivência em redações de jornal e rádio. Empreendedor há quase dez anos, é e especialista em marketing de conteúdo e vendas. É criador de conteúdo sobre empreendedorismo em geral e, atualmente, Customer Success Manager na Gálata Tecnologia.

Instagram: @cristiano_guirado | Site: www.blogdoguirado.com.br

 

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