No último ano, alguns países vivenciaram – e ainda estão vivenciando – um fenômeno que ficou conhecido como “The Great Resignation”, ou Grande Resignação, em português.

O que é Great Resignation?

O nome The Great Resignation foi utilizado para designar um grande movimento econômico trabalhista no qual funcionários voluntariamente começaram a pedir demissão, o que ocorreu em massa, especialmente nos Estados Unidos – mas também em países europeus e asiáticos.

Os dados indicam que, em 2020, com a sensação global de incerteza causada pela pandemia, houve uma queda geral no número de pedidos de demissão, pois as pessoas se agarraram ao trabalho como forma de garantia. No ano seguinte, porém, tudo mudou.

De acordo com a Secretaria de Estatísticas de Trabalho dos Estados Unidos, só em novembro de 2021 foram mais de 4,5 milhões estadunidenses deixando seus trabalhos. Com a chegada da vacina e a flexibilização nas medidas de segurança, as pessoas provavelmente se sentiram mais seguras para tomar essa decisão.

É possível que esses trabalhadores simplesmente decidiram abandonar o mercado de trabalho de vez? Será que mudaram de área? O que motivou esse pico de demissões? A tendência é que isso continue? O que as empresas e líderes podem fazer a respeito? O que está por trás da Great Resignation?

Nesse artigo, vamos responder a essas perguntas – ou, pelo menos, tentar.

As motivações

Existe um fato que é inegável: a pandemia transformou de maneira significativa as certezas e prioridades de praticamente todas as áreas de nossa vida – carreira, família, relacionamentos, propósitos e crenças.

Em um artigo ¹ escrito para a Harvard Business Review, os autores Joseph Fuller e William Kerr apontam cinco fatores principais que influenciaram a Great Resignation, sendo que todos foram diretamente impactados pela pandemia: aposentadoria, realocação, reconsideração, reorganização e relutância.

Sugiro fortemente que você leia o artigo completo, cujo link está no final desta página, para entender melhor o que cada um representa. Porém, de forma geral, todos eles foram impulsionados pela mudança de perspectivas e acentuados pela pandemia.

Vamos considerar o fator da aposentadoria, por exemplo. Durante crises econômicas, é comum que pessoas já aposentadas voltem ao mercado de trabalho para aumentar sua renda – como foi o caso da recessão de 2007. Na Great Resignation, não foi bem assim. Na verdade, foi o contrário: mais pessoas se aposentaram e, principalmente, se aposentaram mais jovens.

Por quê? Bom, os resultados das pesquisas sugerem que, após a crise de saúde que enfrentamos, muitos trabalhadores perceberam que o trabalho não é mais importante do que passar tempo com a família e aproveitar a vida e, por isso, optaram pela aposentadoria. Eu aposto que não é preciso procurar muito para encontrar alguém em seu círculo de amizades que tenha “reavaliado suas prioridades” recentemente.

No caso dos profissionais mais jovens – e até mesmo os mais velhos que não optaram por encerrar a carreira –, podemos afirmar que essa mudança de valores também aconteceu. Uma pesquisa da McKinsey ² revelou que, quando os entrevistados citaram os principais motivos pelos quais pediram ou pediriam demissão, os resultados foram:

54% não se sentiam valorizados pela organização;

52% não se sentiam valorizados pelos gerentes;

51% não se sentiam pertencentes àquela instituição.

Ou seja, uma quantidade considerável está mais preocupada com fatores humanos – como valorização e pertencimento – do que com questões financeiras.

As prioridades mudaram – e as pessoas também

Um artigo de Aaron De Smet³ diz o seguinte demonstra que durante a pandemia, todos precisaram se adaptar de alguma maneira – ocorreram mudanças na estrutura familiar; na rotina de trabalho, redução de reuniões de família ou dos cafés presenciais com os amigos, as férias canceladas e os casamentos remarcados, tivemos até mesmo o surgimento de um novo sentimento: “A saudade de comparecer ao escritório todos os dias”.

E assim como o conceito de “normal” mudou, as prioridades das pessoas também mudaram.

Muitas agora percebem que apesar do trabalho ser uma parte importante da vida, isso não significa aceitar chefes autoritários, longos turnos de trabalho e salários baixos. Todos continuam precisando exercer uma função para ganhar dinheiro e pagar as contas, mas isso não significa que irão continuar aceitando condições insatisfatórias.

Isso também vale para a empresas que estão exigindo que os funcionários voltem a trabalhar de forma predominantemente ou totalmente presenciais. Agora que tantos profissionais descobriram as vantagens do home office, eles não querem ser obrigados a retornar ao escritório – mas serem livres para escolher o que é mais produtivo para cada um.

A Apple, por exemplo, exigiu o retorno ao escritório pelo menos 3 vezes por semana. A decisão, porém, não agradou os funcionários. Eles se reuniram e publicaram uma carta⁵ demonstrando sua insatisfação – que já conta com mais de 3 mil assinaturas.

Um dos trechos diz: “Não existe uma solução que se encaixe para todos, então nos deixe decidir como trabalhamos melhor e fazer o melhor trabalho de nossas vidas.” A gigante da tecnologia, no entanto, ainda não voltou atrás.

Como as empresas podem reverter o quadro de demissões voluntárias em massa – e, consequentemente, a falta de colaboradores – se elas não escutam seus empregados? Se sabem que os seus valores não são mais os mesmos, mas não fazem nada a respeito?

Em um artigo para The New York Times⁴, Emma Goldberg escreveu a seguinte frase: “Os trabalhadores não mudaram seus sentimentos em relação ao trabalho; eles mudaram suas expectativas.”

Nesse artigo, a autora traz relatos de vários indivíduos que abandonaram seus trabalhos em busca de condições melhores – e não necessariamente financeiras.

Um desses é de um ex-funcionário da Applebee’s, uma rede de restaurantes estadunidense, que disse que sofria abuso dos próprios consumidores – mas, de acordo com a gestão, o cliente sempre estava certo, logo não havia nada que pudesse ser feito.

Ele, então, decidiu procurar outro emprego e foi contratado como vendedor em uma empresa de tecnologia. Em seu depoimento, contou que hoje ganha bem mais, tem conversas mais profundas e significativas com seu chefe e até recebeu um dia de licença remunerada para ir ao funeral de seu avô – algo que era impossível de acontecer na Applebee’s.

Emma Goldberg encerra o artigo dizendo: “[…] Seu alarme matinal não o deixa mais com a sensação de pavor pois ela foi substituída pela sensação de ‘eles nos tratam com respeito’”.

Great Resignation no Brasil

No Brasil a Great Resignation não é tão forte, é claro, já que a taxa de desemprego ainda está na casa dos 10% e vivemos uma grave crise econômica. Mesmo assim, um levantamento da LCA Consultores⁶ apontou que, só em fevereiro deste ano, 560.272 pessoas se demitiram de seus empregos – uma quantia relevante de pessoas.

Em entrevista à InfoMoney 6, Alexandre Pellaes, que é consultor de gestão da HSM e mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela USP, afirma que existem 4 principais motivos para essas demissões: empresas com cultura tóxica, insegurança na organização, excesso de cobranças e falta de reconhecimento.

Recentemente, também nos deparamos algumas demissões em massa em várias instituições da área de tecnologia que, apesar de não terem sido da vontade dos colaboradores, demonstram as falhas de sua liderança e da cultura organizacional.

Não é infundado pensar que, quando a situação econômica brasileira melhorar, o mesmo que aconteceu em outros países também possa acontecer aqui na mesma proporção.

Cultura organizacional

Todos esses fatores que trouxe apontam para o fato de que, mais do que nunca, as empresas precisam voltar seus olhos para dentro, para seus próprios líderes e funcionários.

Em um trecho do artigo da McKinsey que citei anteriormente, o autor afirma “Seus melhores funcionários sempre terão ofertas melhores financeiramente em outro lugar.” Ou seja, quais outras razões, além do salário, você oferece para seu funcionário permanecer na empresa?

É por isso que falamos tanto sobre a importância da cultura organizacional. Sempre vai existir alguém que paga mais, porém chegamos a um momento em que não é apenas isso que importa.

O que os profissionais querem é saber se serão defendidos quando forem humilhados por um cliente ou se poderão ir ao funeral do avô sem serem prejudicados. Se terão flexibilidade para trabalhar de onde se sentem mais produtivos. Se serão obrigados a sacrificar tempo com a família para fazer horas extras. Se serão respeitados e valorizados.

Quando paramos para pensar, esse é o mínimo que qualquer empregador deveria oferecer, mas nem sempre é assim. E justamente por isso esses empregadores estão perdendo seus trabalhadores.

Reflexões

Para finalizar esse artigo, gostaria de algumas reflexões que acredito serem pertinentes para qualquer líder.

  • A empresa valoriza os colaboradores?

No artigo da McKinsey, eles usam o termo “relação transacional”, ou seja, quando uma pessoa representa apenas alguém que segue ordens e recebe um pagamento por isso. Esse, definitivamente, não é o tipo de relacionamento que sua instituição deveria ter – mas, sim, baseada em respeito, consideração e humanização.

  • Os valores da empresa estão sendo aplicados na prática?

Se a cultura da empresa não faz sentido para os colaboradores, das duas uma: ou ela não está sendo aplicada devidamente ou os líderes contrataram pessoas completamente desalinhadas com o propósito da marca.

  • Os colaboradores estão sendo ouvidos?

Novos desafios surgem e, como falamos nesse artigo, prioridades mudam. Por isso, é importante refletir se sua empresa mantém uma rotina de feedbacks. Talvez, para a liderança, faça sentido voltar ao trabalho presencial, mas para os colaboradores não. Ao manter uma linha de comunicação clara e aberta, os dois lados podem esclarecer suas intenções.

 

Esses são alguns questionamentos relevantes que vieram a mim enquanto lia os artigos e escrevia esse post. O mais importante, sobretudo, é pensar se a organização é capaz de entender e, principalmente, oferecer aquilo que as pessoas procuram.

 

 

¹ The Great Resignation Didn’t Start with the Pandemic – Joseph Fuller e William Kerr

² ‘Great Attrition’ or ‘Great Attraction’? The choice is yours – McKinsey

³Your organization is grieving—here’s how you can help – Aaron De Smet

⁴All of Those Quitters? They’re at Work – Emma Goldberg

⁵Thoughts on Office-bound Work – Apple

⁶Great resignation: fenômeno da grande debandada chega ao Brasil – Mariana Amaro

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